As irmãs Helena e Beatriz Bebiano foram diagnosticadas com Paraparesia Espástica Familiar, uma doença genética que provoca fraqueza e espasmos nas pernas. É uma condição rara, e em uma conversa especial com o Entre Elas, as irmãs revelaram um problema muito comum enfrentado por mulheres com deficiência: a dificuldade de serem vistas como sexualmente ativas. Além disso, segundo elas, mulheres com condições parecidas precisam também superar barreiras em aspectos da vida cotidiana que deveriam ser acessíveis a todas as pessoas, como: a escolha do método contraceptivo mais seguro e orientação médica de qualidade.
Antes de trazer as revelações do nosso bate-papo, o Entre Elas quer te propor um desafio. Topa? Durante a conversa, Beatriz lembrou de uma artista muito reconhecida pelo talento e pela superação de adversidades. Ela tinha limitações físicas causadas por uma poliomielite, fato que quase sempre é omitido de sua biografia. Você sabe de quem estamos falando? Ao fim deste texto, vamos revelar quem é essa artista e levantar algumas hipóteses para o apagamento desta condição.
Mulheres com deficiência podem ser sexualmente ativas. Por que ainda é tão difícil enxergar isso?
Mesmo em meios sociais mais livres, sexo ainda é um tabu. Imagina quando adicionamos “deficiência física” à discussão. Para Beatriz, a falta de informações durante a adolescência fez muita falta na vida adulta. “Por causa da minha deficiência, eu não tive acesso a muitas informações na minha adolescência. Eu não tinha a menor ideia de como ia ser a minha primeira vez até ter que encarar esse assunto por estar namorando. As pessoas não falavam sobre isso comigo e eu tinha vergonha de perguntar. Já ouvi muitas vezes que eu sou um anjo ou uma guerreira, dois termos que eu não gosto. E, aparentemente, anjos e guerreiros não têm vida sexual. Nessa brincadeira, a gente acaba sendo infantilizada”, relata.
Já para Helena, sexo era um assunto mais natural quando mais nova. Atualmente ela enfrenta mais preconceito com homens da mesma idade. “Quando eu era mais jovem, eu não tinha medo de nada. Perdi a virgindade com 18 anos e para mim, foi uma coisa muito natural. Ficava com caras, saía muito, namorava bastante. Isso nunca foi um problema para mim. Hoje, aos 36 anos, sinto que minha deficiência é um problema para os homens da minha idade”, diz.
Não ser vista como sexualmente ativa implica nas dificuldades mais diversas.
Apesar de a conversa ter começado com Helena e Beatriz nos contando sobre as dificuldades para o relacionamento, logo concluímos que o problema não está só nos possíveis parceiros.
Os direitos da pessoa com deficiência foram garantidos apenas em 2015, com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Para Beatriz, essa foi uma grande conquista, mesmo que tardia.
“Antes, se uma mulher com deficiência chegasse a um hospital em trabalho de parto, o companheiro dela poderia até ser preso por estupro de vulnerável. Por isso, esse é um grande passo para nós”, explica.
As duas concordam que o direito de formar uma família, por exemplo, precisa ser mais discutido em sociedade, já que hoje é previsto em lei. “Hoje, apesar de ser um assunto que a gente tem mais espaço para falar, ainda há muita falta de informação para algumas pessoas. Pode não passar na cabeça que uma pessoa com deficiência pode constituir família. Mas, se eu quiser engravidar ou adotar uma criança, eu posso”, conta Beatriz.
Encontrar orientação médica de qualidade é mais difícil para mulheres com deficiência.
Tomar a decisão de formar uma família, engravidar e ter filhos, por exemplo, são opções disponíveis a todas as pessoas, com ou sem deficiência. Caso não queira engravidar, a pessoa deve ter liberdade para escolher um método contraceptivo, certo? Na teoria sim, na prática, talvez.
Beatriz nos contou que agora encontrou um profissional médico em que confia, mas que nem sempre foi assim. “Encontrei uma médica ginecologista, há pouco mais de 3 anos, que me deu muita abertura para falar sobre sexo. Pela deficiência, eu ainda não consegui chegar até a penetração. E me questionava se eu ainda era virgem. Com essa médica, pude conversar sobre o assunto e entender que existem várias formas de sentir prazer além da penetração. Ela foi a primeira que me examinou! Já passei em outras consultas em que os profissionais nem chegavam perto de mim e já prescreveram anticoncepcional. Com ela, foi muito diferente”.
Conversar abertamente sobre sexo, seja com profissionais ou não, deveria ser algo mais comum, segundo Helena.
“Eu já ouvi outros casos de pessoas que passaram por problemas na hora do sexo que eu não tinha ideia. Talvez eu tenha uma relação com uma pessoa que, para mim, aquilo é normal. Já para a Bia, pode ser um problema. Falta uma discussão maior sobre o assunto e acho que faltam profissionais mais bem preparados para isso”, complementa.
Mulheres com deficiência e sexualmente ativas têm mais dificuldade para definir o melhor método contraceptivo.
Helena revelou que sempre se sentiu mais segura com anticoncepcional, já que outros métodos como o DIU poderiam ser mais complicados de lidar. “Comecei a usar anticoncepcional por volta dos 23 anos, que foi quando eu iniciei um relacionamento de quase oito anos. Eu sou uma pessoa com deficiência, fumante e sedentária. Tinha muito problema de inchaço nas pernas e o anticoncepcional colaborava para isso. Foi quando eu comecei a sentir dores atrás dos joelhos e tive medo de trombose. Parei de tomar anticoncepcional, mas não me adaptei às cólicas e à TPM. Voltei a tomar com autorização médica e agora me sinto bem mais segura”, conta.
Beatriz também relata que o anticoncepcional traz uma segurança maior, principalmente durante o relacionamento. “Quando fiz 18 anos, por questões psicológicas, meu ciclo menstrual ficou totalmente desregulado. Eu cheguei a ficar 3 meses sem menstruar e descobri que tinha ovários policísticos. Na época, a ginecologista proibiu o uso de anticoncepcional e fiquei uns 3 anos sem tratamento. Quando comecei a namorar, procurei outro profissional que me receitou um anticoncepcional. Troquei o remédio para um sem estrogênio e hoje estou bem mais adaptada. Para mim, foi ótimo”.
Mulheres ativas, inclusive sexualmente. Nem anjos, nem guerreiras. Mas, sem dúvidas, INSPIRADORAS.
As duas se definem como mulheres normais, que lutaram para alcançar tudo aquilo que sonharam. E para Helena, é preciso ressaltar esse esforço. “Eu tenho muito orgulho de tudo o que eu conquistei e falo disso com muito prazer. Sei que me esforcei mais do que a média. Eu cresci numa época em que não se viam pessoas com deficiência na rua, na TV ou nas revistas. Eu não tive nenhum exemplo, de nenhuma outra pessoa mais velha, com deficiência que eu pudesse me inspirar”, conta.
Ah, lembra da artista incrível que falamos no começo da nossa história? É a Frida Kahlo. Você sabia que ela tinha sequelas da poliomielite nos membros inferiores? A Beatriz trouxe esse fato para deixar uma reflexão: será que isso era uma coisa sem importância que preferiram não dizer ou podemos concluir que uma deficiência física não combinava com uma mulher tão ativa?
Antes de terminar, o Entre Elas agradece imensamente pela oportunidade de conversar com as irmãs Bebiano. Muito obrigada por compartilharem suas histórias. Indubitavelmente, o relato de vocês vai reverberar em muita gente.